Liberdade de Expressão

 

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sexta-feira, março 19, 2004

 
Os países não têm princípios, têm interesses IV

O Picuinhas respondeu ao primeiro texto desta série:

João Miranda chama a atenção dos que têm criticado a Espanha dizendo que adoptam uma atitude "profundamente colectivista". Acho que se engana. A maioria dos críticos da vitória de Zapatero não põem em causa a sua eleição perfeitamente democrática e legítima. Limitam-se a observar como, aos olhos da Al Qaeda, os atentados terão o efeito pretendido: retirar as tropas espanholas do Iraque. Para a Al Qaeda, e para muitos potenciais terroristas, tornou-se evidente que os massacres funcionam, mesmo que ninguém individualmente possa ser acusado de negociar com terroristas. O problema é justamente que a relação causa-efeito (massacre - futura retirada do Iraque) surgiu por intermédio de uma decisão "colectiva" feita de um agregado de decisões individuais, que provavelmente tiveram mais em conta as supostas ocultações da verdade por parte do governo de Aznar do que o desejo de retirar do Iraque para sair da atenção dos terroristas. Não discuto, ao contrário do próprio João Miranda, quais são os interesses da Espanha. A Espanha não tem interesses, quem os tem são os espanhóis. Foi a soma destes interesses individuais e divergentes que resultou na vitória de Zapatero. Estou firme e democraticamente convencido que foi um mau resultado, com péssimas consequências no combate ao terrorismo, e que muitos espanhóis o virão a lamentar.


Há algumas contradições neste texto. Por um lado, o Picuinhas fala dos críticos da vitória de Zapatero, por outro diz que os críticos "limitam-se a observar como, aos olhos da Al Qaeda, os atentados terão o efeito pretendido: retirar as tropas espanholas do Iraque. " Mas nesse caso, não há nada para criticar. Os factos não podem ser criticados, aceitam-se e pronto. Nenhum espanhol pode ser criticado pelas conclusões que um bando de fanáticos possa tirar. Mas observar o óbvio, isto é, que os fanáticos tiram as conclusões que mais lhes agradam, é diferente de acreditar no mesmo que os fanáticos acreditam. E a seguir o Picuinhas já diz que " para muitos potenciais terroristas, tornou-se evidente que os massacres funcionam". Ora, uma coisa só é evidente se for verdadeira. Quanto muito, poderia dizer-se que aos terroristas lhes parece evidente que os massacres funcionam. Mas isso eles já pensavam que sabiam. Os fanáticos tenderão sempre a interpretar qualquer resultado como a vontade de Deus e a confirmação da sua fé. Depois o Picuinhas sugere que existe uma relação de causa e efeito entre o massacre e a futura retirada do Iraque. Ora, os terroristas podem acreditar nisto. Mas nós não deviamos porque não se pode concluir que A causa B só porque B aconteceu depois de A. Se o Picuinhas aceita que a vitória de Zapatero resultou das decisões de milhões de pessoas, também tem que aceitar como plausível a ideia de que cada uma dessas pessoas teve as suas razões e fez as suas interpretações. O que significa que a vitória de Zapatero teve bilhões de causas e que da próxima vez um ataque semelhante não terá necessariamente os mesmos efeitos nem terá sequer efeitos previsíveis. Ou seja, se os terroristas acreditam que os massacres funcionam, estão iludidos, mas eles iludem-se facilmente. A Direita é que não devia acreditar na engenharia social nem no controlo das sociedades pela bomba. Não funciona.

O Picuinhas termina concluindo que está " firme e democraticamente convencido que foi um mau resultado, com péssimas consequências no combate ao terrorismo, e que muitos espanhóis o virão a lamentar." Ora, há aqui dois problemas. O primeiro é que as sociedades não são previsíveis e nenhum de nós sabe exactamente como é que vai ser resolvido o problema do terrorismo. Até porque o terrorismo da Al Qaeda coloca problemas de tipo novo que não podem ser resolvidos pelos meios e pelas ideias tradicionais. O segundo é que o terrorismo coloca poblemas desiguais a sociedades desiguais e não existe "o combate ao terrorismo". Cada sociedade terá que adequar os seus recursos às suas necessidades. A questão que os espanhóis devem colocar é se a participação na guerra no Iraque foi uma alocação adequada dos seus recursos, ou se esses recursos não seriam melhor alocados se fossem aplicados em "intelligence". Para quê preocuparmo-nos com aquilo que os espanhóis vão lamentar no futuro se eles já foram atacados e já têm muito a lamentar no presente?