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quarta-feira, outubro 15, 2003
O. J. Simpson e o gato de Schrodinger V
Esta discussão com o Irreflexões pode parecer inútil, mas não é.
Uma boa teoria da investigação criminal tem que se basear numa boa teoria epistemologica, isto é, numa boa teoria sobre o que podemos saber. O que é que um tribunal pode determinar? E será que um tribunal pode determinar o que é verdadeiro sem qualquer margem para dúvida?
O Irreflexões afirma que "existem tantas realidades quantos os sujeitos que a percepcionem" e que o que conta é a realidade socialmente aceite. No entanto, a investigação criminal pressupõe precisamente o contrário. Os tribunais e os investigadores da judiciária pressupõem que existe uma realidade que é independente de qualquer ponto de vista. Se uma testemunha afirma que viu X e outra afirma que viu Y não significa que numa realidade ocorreu X e noutra ocorreu Y. Significa que no máximo, só uma das testemunhas é que diz a verdade.
Também não se pode afirmar que o que é verdade é aquilo que é socialmente aceite. A história de Galileu mostra que nem sempre aquilo que é socialmente aceite é verdadeiro. E não existe nenhuma garantia de que os tribunais determinam o que de facto aconteceu. As decisões dos tribunais merecem um maior ou menor grau de confiança e muitas vezes os acusados não são condenados porque o tribunal não tem confiança suficiente nas provas.
O Irreflexões ainda não conseguiu explicar o caso O. J. Simpson. O. J. Simpson é culpado ou inocente? Qual é a realidade socialmente aceite neste caso? Se adoptassemos a teoria do Irreflexões, teriamos que concluir que na realidade do tribunal civel O. J. Simpson cometeu o crime, e na realidade do tribunal criminal O. J. Simpson não cometeu o crime. Ao chamar realidade a uma percepção da realidade, o Irreflexões fica sem uma palavra para a realidade realidade, aquela em que os factos realmente acontecem.
Para compreender o caso O. J. Simpson, o Irreflexões tem que pressupor que existe uma realidade que é independente de qualquer tribunal. O papel do tribunal é determinar essa realidade, mas tal tarefa é impossível. Os tribunais só podem determinar uma imagem aproximada da realidade. A condenação (e no caso O. J. Simpson, a pena) depende sempre da confiança que o tribunal tem nas suas conclusões.
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