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quarta-feira, outubro 22, 2003
Jorge Sampaio surpreende e fala ao país sobre o caso de Ermesinde
Quanto todos esperavam que Jorge Sampaio fizesse mais um discurso seca sobre a confiança na justiça a propósito do caso Casa Pia, o presidente surpreendeu e resolveu falar de um caso que tem passado ao lado de todos os defensores do Estado de Direito: o caso de Ermesinde.
Como todos sabemos, no último fim de semana apareceu morta uma criança de dois anos em Ermesinde. O pai da criança e a madrasta foram julgados e condenados na televisão pelos vizinhos. Deu nos 3 canais ao mesmo tempo. A polícia judiciária e a PSP revelaram detalhes escabrosos sobre o crime que deviam estar em segredo de justiça. As televisões, os jornais e os comentadores trataram o casal como culpado. Miguel Sousa Tavares, depois de defender que os arguidos da Casa Pia são devem ser julgados na praça publica, também comentou o caso de Ermesinde. Condenou sumariamente o pai e a madrasta da vítima e todos os 7 membros da comissão que entregou a criança ao pai. Foi o julgamento em directo mais rápido que eu já vi. O próprio Ministro da Segurança Social iniciou o inquérito no pressuposto que o crime teria sido cometido pelo pai da vítima. Em resultado de tudo isto, os suspeitos quase que foram linchados.
Esteve bem o presidente. A propósito deste caso, o presidente lembrou que:
A administração da Justiça é uma função essencial do Estado, que tem de exercer-se num quadro de serenidade e de confiança. [...] E isto é tanto mais necessário quanto mais graves forem as questões a julgar e quanto maior for a inquietação que elas possam gerar na comunidade. É por isso que os apressados julgamentos de opinião pública são a pior maneira de procurar a Justiça;
[...]
E por isso tem vindo a lembrar princípios essenciais que visam assegurar que o processo penal e a investigação criminal, que o serve, só estão de um lado _ o da Justiça; e que estar do lado da Justiça exige que se protejam, com igual empenho, os direitos das vítimas e os direitos dos arguidos, para que à desgraça de não termos sabido cuidar das crianças que nos foram confiadas se não venha somar a desgraça de não termos feito Justiça, ou de termos ficado indesculpavelmente aquém, ou ao lado, na punição dos que delas criminosamente abusaram. Desses princípios essenciais fazem parte a presunção de inocência; a lealdade processual; o uso ponderado e proporcional de poderes e de medidas, sobretudo quando, como a prisão preventiva, restringem direitos e liberdades fundamentais; a observância do segredo de Justiça, para a indispensável reserva das investigações e para a protecção do bom nome das pessoas.
Como sempre, o discurso do PR foi um bocado ambíguo e gerou alguma confusão. Vários blogueadores sugeriram que o Presidente estaria a falar do caso Casa Pia, alguns comentadores disseram que o presidente falou de escutas e Vieira da Silva do PS veio dizer que o presidente apelou ao respeito pela "privacidade". No entanto, não há em todo o discurso qualquer referência à Casa Pia, a escutas ou à palavra "privacidade".
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