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terça-feira, setembro 16, 2003
Filosofia fora da Lei
Os bolds são meus, o resto é do Jornal Expresso, 06.09.2003
O PROGRAMA de Filosofia do 10º e 11º ano está a ser alvo de um pedido de declaração de inconstitucionalidade. A inédita iniciativa é da Fundação Portuguesa de Filosofia - uma entidade ainda em fase legal de criação - que considera que o programa atenta contra a Constituição, na parte em que esta garante que o «Estado não pode programar a educação e a cultura segundo quaisquer directrizes filosóficas, estéticas, políticas ideológicas ou religiosas».
A queixa foi entregue, para apreciação, no gabinete do provedor de Justiça pelo dirigente da comissão instaladora da nova fundação, Pedro Almeida. Em causa, segundo este docente, está o facto de o programa afirmar como objectivo da disciplina de Filosofia que os alunos reconheçam «a democracia como referente último da vida comunitária». Ora, recusando qualquer intenção antidemocrática no seu protesto, Pedro Almeida considera que este objectivo programático «implica uma certa orientação valorativa, sobretudo em termos de filosofia social e política», isto é, «implica, forçosamente, juízos de valor». Esta opção contrariaria, assim, a norma constitucional, por colidir «com o ideário de qualquer cidadão que se afirme como antidemocrata» e ainda entra em rota de colisão com a própria Declaração Universal dos Direitos do Homem, que consagra o direito de qualquer indivíduo «à liberdade de opinião e de expressão».
Mas, a adicionar a este facto, os docentes consideram que, colocando este objectivo como meta de um programa educativo, se nega «a própria natureza, carácter e essência da Filosofia». Para justificar esta conclusão dão como
exemplo a própria obra de Platão, A República, onde o ideal democrático é profundamente criticado e sobre o qual «os professores de Filosofia não podem e não devem ensinar se Platão tinha ou não razão». Sublinhando que «não se trata, evidentemente, de fazer juízos de valor de carácter negativo sobre a democracia», a fundação quer deixar claro que, em Filosofia, «o professor prepara e orienta o aluno, nunca emitindo quaisquer juízos de valor». O reconhecimento, ou não, da democracia como «referente último da vida comunitária terá de ser uma opção absolutamente livre do aluno e nunca
vir de fora», diz Pedro Almeida. Muito menos pode ser «finalidade de um programa de uma disciplina», conclui.
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R.P.L.
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