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terça-feira, setembro 09, 2003
Deficit IV
Resposta ao Irreflexões:
1- O Irreflexões diz “E não, não acho que seja através de compras de bens de consumo, admissão de pessoal e quejandos que o Estado deve estimular a economia […]mas sim através de despesa de investimento.”
2 – A seguir diz: “Investimento esse que, pelas suas características (elevado capital inicial, impossibilidade de consumo exclusivo, fenómeno de free-rider, etc.) só pode ser levado a cabo pelo Estado.”
3 – Mas estas são precisamente as características que fazem dum investimento um mau investimento.
4 – Se um investimento precisa de um elevado capital inicial, então esse investimento tem um risco demasiado elevado e não deve ser levado a cabo. (ver mais abaixo a lista de elefantes brancos da economia portuguesa).
5 – Se um investimento é vulnerável ao fenómeno dos free-rider então esse investimento tem a sua rentabilidade comprometida, já que o estado não tem capacidade para cobrar o investimento aos beneficiários. Sendo assim, vai cobrar a todos por igual. Este tipo de situação é uma fonte de ineficiências. O investimento nunca será tão rentável como um investimento da mesma ordem de grandeza levado a cabo por privados.
6 – Se um determinado investimento é vulnerável aos fenómenos de free rider, então esse é o problema económico que é preciso resolver. E é um problema que não pode ser resolvido pelo investimento público só porque ele é público, tem que ser resolvido por um método que force os free riders a pagar o que consomem.
7 – O Irreflexões faz uma lista dos investimentos que o estado deve fazer: “Eu falo de construir infra-estruturas (estradas, caminho de ferro, aeroportos, portos, etc.); o meu amigo fala de comprar papel para a máquina de fotocópias. Não é bem a mesma coisa.”
8 – Mas não se preocupa em saber se a falta de infra-estruturas é o problema principal do país. Será que são necessárias mais estradas? Mais portos? Mais aeroportos? Se são, quais? Se calhar o que faltam são fotocopiadoras, computadores, telemóveis. Aposto que alguns serviços públicos funcionariam melhor com mais uma fotocopiadora. Quem poderá saber? Se calhar são necessárias são coisas pequeninas, que dispersas por muitos lugares provocam ganhos assinaláveis de eficiência e resolvem problemas reais que as pessoas têm e não problemas imaginários que os tecnocratas inventam para justificar mais um departamento do estado. Ou se calhar o que precisamos é de métodos de organização que permitam combater os free riders.
9 – O Irreflexões não explica como é que se distingue um bom investimento de um mau investimento. Como não existe um mercado de investimentos públicos, não existe nenhum termo de comparação que permita aferir da bondade de um investimento concreto. Como o investimento não depende da procura potencial, qualquer investimento público é justificado por valores políticos que não podem ser quantificados.
10 – Como não existe um mercado de investimento públicos, todas as decisões são tomadas centralmente por decisores iluminados e os erros são frequentes. E quando o estado erra, erra em grande. Os elefantes brancos não nascem de geração espontânea: Cabora Bassa, Sines, Expo 98, os estádios do EURO 2004, a Casa da Música e o Alqueva estão aí para demonstrar a qualidade dos decisores públicos. A seguir vem a Taça América, o TGV e a OTA. E quem sabe, os Jogos Olímpicos.
11 – Curiosamente, o Irreflexões defende a boa despesa, mas defende a boa despesa como antídoto para a crise. Mas a despesa do estado, para ser boa não pode estar sujeita a timings que não sejam o da racionalidade económica. O irreflexões não explica porque é que a crise é o timing que maximiza o retorno da boa despesa. Porque é que a boa despesa do estado tem um timing que está em contraciclo com aquilo que os privados acham ser a boa despesa? Quer-me parecer que a sujeição da despesa ao timing da crise é meio caminho andado para a má despesa. A ideia da despesa em contra-ciclo é a negação da ideia da boa despesa.
12 – O Irreflexões defende o investimento público alegando o problema dos free-riders para depois defender que esse investimento deve ser feito em estradas, caminho de ferro, aeroportos e portos. E eu penso em portagens, bilhetes de comboio, taxas portuárias e aero-portuárias. Penso ainda que deviam acabar os subsídios aos transportes públicos. Penso nas portagens à entrada das cidades. Tudo soluções viáveis para acabar com os free riders.
13 – Por outro lado, se o problema for mesmo a falta de investimento público, esse investimento deve ser feito à custa dos impostos que o estado já cobra e do deficit que o estado já tem e nunca à custa de mais deficit ou de mais impostos. O peso do estado na economia tem que descer.
14 – A atitude do Irreflexões em relação ao estado é contraditória. Por um lado, o Irreflexões parece ter uma fé inabalável na bondade dos decisores públicos e na razão humana quando diz “Porque sei que a mão invisível falha demasiadas vezes, sabe porquê?, porque lhe falta a vista para ver para onde vai e que danos pode estar a provocar em nome da eficiência produtiva como valor em si mesmo. E o Estado pode e deve ser essa vista atenta.”. É uma fé extraordinária. Pensar que homens comuns, falíveis e limitados podem conduzir um sistema complexo como a economia na direcção desejada.
15 –A mão invisível é o resultado da interacção de milhões de pessoas, cada uma das quais com um cérebro para pensar e com o conhecimento específico dos seus próprios interesses e da sua situação no mundo. A mão invisível não resulta da eficiência produtiva como valor supremo. Resulta dos valores que as pessoas que constituem a sociedade têm. Resulta da liberdade. Estas pessoas sabem bem para onde querem ir. Sabem mais sobre as suas próprias vidas, sobre os seus interesses, sobre as suas capacidades e recurso e sobre os seus valores que os decisores públicos poderão alguma vez saber.
16 – Os mecanismos de mercado conjugam todo o conhecimento disperso para produzir uma inteligência emergente que supera qualquer inteligência humana. Qualquer ser humano que tente dirigir a mão invisível está a tentar manipular fenómenos que estão para além da sua limitadas compreensão.
17 – Por outro lado, é o próprio Irreflexões que nos vem dizer que o estado é um mau decisor e que invariavelmente prefere cortar na despesa boa em vez de cortar na despesa má. Mas isso não é extraordinário. O investimento só dá lucro a médio prazo e as eleições são daqui a dois anos. Este defeito, longe de ser uma característica deste ou daquele governo, é uma característica de todos os governos. O peso da despesa má cresce sempre porque todos os governos querem resultados a curto prazo. Portanto, o problema não é tanto se o estado deve fazer uma despesa boa ou uma despesa má, mas se os decisores públicos, caso consigam distinguir a despesa boa da má, terão algum dia incentivos para fazer despesa boa.
18 –Na discussão sobre a Irlanda, o Irreflexões critica a decisão do governo irlandês de acabar com o investimento público para baixar os impostos. O Irreflexões parece não se ter apercebido que os resultados desse tipo de políticas foram taxas de crescimento da ordem dos 8%. Ou seja, os irlandeses trocaram o tal investimento bom que o irreflexões defende por mais liberdade para o sector privado e saíram-se bem.
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