Liberdade de Expressão

 

Comentários para este email

This page is powered by Blogger. Isn't yours?

domingo, setembro 14, 2003

 
Cruzes Canhoto e o liberalismo II

Em resposta ao primeiro post desta série, diz o Cruzes:

O que li sobre o assunto, deu-me ideia que o capitalismo era um sistema fundamentalmente económico, baseado nas empresas privadas e sua liberdade de comércio.


O Cruzes apresenta uma definição de capitalismo como muitas outras que existem por aí. Mas essa não é a definição liberal de capitalismo. Para os liberais, capitalismo é o sistema económico em que todos os indivíduos têm liberdade económica. E a liberdade tem que ser igual para todos os indivíduos, sejam eles accionistas de empresas ou trabalhadores individuais. Estejam eles organizados em cooperativas ou em sindicatos. A liberdade económica deve ser a liberdade para todos, e não a liberdade só para alguns. Não é a liberdade das empresas ou dos capitalistas que interessa. É a liberdade de todos e cada um dos indivíduos. A liberdade económica de um trabalhador é tão importante para o capitalismo liberal como a liberdade económica de um banqueiro.


E por isso é que o capitalismo (liberal) é indissociável das democracias liberais. Não pode haver liberdade económica sem liberdade política por dois motivos:

- nas ditaduras, a elite que controla o estado acaba sempre por ter mais direitos económicos que o resto da população.

- os indivíduos não separam as suas preferências políticas das suas preferências económicas. Colocam os valores políticos e os económicos na mesma escala de valores e por isso a falta de liberdade para cada um fazer escolhas políticas interfere nas escolhas económicas. Por exemplo, numa democracia liberal eu posso escolher entre comprar uma televisão ou contribuir para uma causa política da minha preferência. Ou seja, posso converter um valor económico (o meu dinheiro) num valor político (a causa em que acredito). Numa ditadura não posso;

As ditaduras, mesmo as mais benévolas, tomam sempre medidas políticas que têm profundo impacto económico e que limitam a liberdade económica. As mais óbvias são as medidas relacionadas com os limites à liberdade de expressão. Estas medidas têm um profundo impacto na circulação de ideias e informação na sociedade, e a livre circulação de ideias e de informação é essencial para a inovação e o progresso económico.

Claro que as ditaduras não se ficam pela interferência no mercado da informação e tendem a controlar toda a economia, muitas vezes até aos mais ínfimos detalhes. Os ditadores optam sempre por controlar as empresas mais importantes, as importações, o turismo e o investimento externo porque a liberalização destes sectores contribuem sempre para alterar os equilíbrios que mantêm a ditadura. O ditador tende também a controlar os sindicatos e outras organizações sociais.

O Chile de Pinochet é um exemplo de um país onde as ideias liberais foram aplicadas pela metade. Grande parte dos serviços do estado foram privatizados, mas isso foi feito numa sociedade em que a parte mais pobre da sociedade não tinha influência política. O resultado foram intervenções na economia profundamente anti-liberais destinadas a proteger as empresas privadas. O estado manipulou a moeda para atingir determinados objectivos macro-económicos, limitou severamente os direitos dos trabalhadores e usou fundos públicos para salvar empresas privadas da falência.

O Chile de Pinochet não era uma democracia nem era um país capitalista. Não era capitalista porque o poder absoluto do estado controlava toda a economia e as medidas liberais poderiam ser invertidas a qualquer altura, como de facto foram em vários momentos. Muitas das medidas económicas foram medidas liberais, mas outras foram profundamente anti-liberais.

O saldo macroeconómico parece ter sido positivo, pelo menos a médio prazo e em comparação com outros países vizinhos. Mas esse saldo teve custos invisíveis. Esses custos invisíveis foram pagos pelos indivíduos que foram impedidos de exercer as suas preferências, quer políticas, quer económicas ao longo de quase 20 anos.

Da mesma forma, os índices sócio-económicos de Cuba também têm um preço escondido. São índices que só são possíveis em ditadura. São índices que resultam da submissão das preferências individuais à vontade de uma elite dirigente. Uma ditadura pode dar-se ao luxo de colocar à frente da lista de prioridades dois ou três índices, ignorando todas as outras preferências da população. Grande parte da população tem bons cuidados de saúde, mas se calhar preferia cuidados de saúde um bocadinho piores e transportes um bocadinho melhores. Ou um bocadinho menos de educação e electrodomésticos um bocadinho melhores. Ora, numa democracia liberal, a fracção do rendimento nacional de que os indivíduos dispõem é bastante maior, e a distribuição dos gastos reflecte muito melhor as preferências individuais do que as preferências dos dirigentes. (A propósito, porque é que os países de leste passaram a ganhar menos medalhas em eventos internacionais?)


(Nota: como é óbvio, as definições são arbitrárias. Ver o que a Wikipedia tem a dizer sobre o capitalismo)