Liberdade de Expressão

 

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quinta-feira, setembro 04, 2003

 
anti-keynesianismo fundamentalista III

Resposta ao Manuel do De Direita

Se o argumento é esse, e nos esquecermos da bondade ou não do investimento, o argumento não é correcto e é uma má medida de gestão. Se há algo que faz todo o sentido é o recurso ao crédito. Aumentando o custo total mas distribuido pelo tempo e futuras receitas o pagamento da dívida. É este o comportamento das famílias e das empresas. Torna possível um desenvolvimento impossível por "fundos próprios". Os custos do crédito são inferiores às futuras receitas que ele propicia.


O estado não é um agente económico como os outros. Devia ser o árbitro, mas é ao mesmo tempo jogador e árbitro. Um árbitro que dispõe do uso da força e que pode mudar as regras do jogo quando lhe convém. Praticamente não existem limites “naturais” ao endividamento do estado porque as receitas futuras do estado não dependem da qualidade dos seus serviços, mas da sua capacidade para mudar as regras do jogo a seu favor. O estado pode mudar a lei, inflacionar a moeda e subir os impostos, instrumentos de que mais nenhum agente económico dispõe. Como não existem os tais limites “naturais”, o estado pode endividar-se de forma irracional porque não terá que sofrer as consequências dos seus erros no futuro. Os estados não podem ir à falência. Haverá sempre uma solução que passa normalmente por sugar recursos à economia. Por isso é que devem existir sempre limites ao endividamento do estado. Dívidas do estado elevadas são uma ameaça à liberdade futura dos cidadãos.

Se em tempo de crise os custos do crédito fossem inferiores às futuras receitas que ele propicia andava toda a gente a endividar-se. O problema é que os keynesianos defendem que o estado deve agir sempre em contra-ciclo, fazendo a cada momento aquilo que os outros agentes consideram irracional.

Em geral, os argumentos a favor do deficit ignoram os efeitos microeconómicos das medidas. Não existe uma receita universal para a política de endividamento óptima. As políticas de endividamento dependem das preferências subjectivas dos agentes individuais. Cada agente tem as suas próprias preferências temporais. A intervenção maciça do estado no mercado de capitais deturpa o mercado num determinado sentido, como se todos os agentes tivessem as mesmas preferências. O peso do estado na economia deve por isso ser substancialmente reduzido de modo a que o estado não represente as preferências de todos por igual.

Isto está relacionado com um dos argumentos do Economist:

One is that bigger deficits push up interest rates, crowding out private investment and curbing growth. That is true in the long run, but not when economies have a huge amount of slack and firms have little desire to borrow


Este argumento pressupõe que todos os agentes podem ser tratados por uma média. Como em média ninguém se pretende endividar, conclui-se que se as taxas de juro subirem não há problema nenhum. O que o argumento ignora é que alguns agentes estão mais interessados que outros em expandir os seus negócios. Estes agentes são precisamente aqueles que tomaram decisões acertadas antes da crise, que anteciparam a crise e que agora estão em posição de expandir os seus negócios e de ultrapassar os seus concorrentes. São estes agentes que estão em condições de iniciar a retoma. Ao endividar-se agora, o estado está a deturpar o mercado de capitais e a fazer com que o capital vá para actividades públicas que não passam de paliativos inúteis.

Normalmente, os investidores só emprestam dinheiro aos agentes que demonstrem ter um plano de negócios racional. No entanto, no caso do estado, os investidores emprestam mesmo que o plano de negócios não seja racional porque o estado dá outras garantias que nada têm a ver com racionalidade poque o estado pode manipular as regras do jogo.

Pode o Estado gastar exactamente o mesmo que no ano X-1, e apresentar um défice orçamental sem ter "injectado" mais um centavo que seja na economia em relação ao ano anterior. O que o The Economist fala e eu subscrevo, é qual a atitude a ter nesse momento.


Mas se todos os agentes reduzem as despesas, porque é que o estado deve manter os mesmos gastos que no ano anterior?


Num momento de recessão, qual a racionalidade de um Estado aumentar os impostos para equilibrar o Défice se o mesmo Estado tem capacidade de endividamento? Aumentar os impostos é agravar as condições que o mercado tem para reagir, para inovar, para voltar a crescer.


O problema não está na racionalidade do aumento de impostos, o problema está na racionalidade da manutenção das despesas quando as receitas baixam. Nenhum outro agente económica faz isso.


Uma vez mais é essencial debater a natureza da crise. É ela criada por um sector económico obsoleto? E se for por uma crise energética? Ou por mudanças nas Leis do Comércio Internacional? Qual a lógica do Estado agravar as condições de competitividade e investimento das empresas, limitar a sua capacidade de reacção?



Se a crise for causada por uma crise energética, o estado não deve intervir. Tal intervenção só servirá para esconder os sintomas da crise, o que contribui para que os agentes económicos não lidem com as suas causas. Se se der uma crise energética, o mercado tem que se reestruturar para responder à crise. As empresas têm que passar a recorrer a soluções inovadoras para o problema: energias alternativas, meios de transporte mais eficientes, poupanças em áreas não essenciais, abandono de actividades que se tornaram economicamente inviáveis. As intervenções estatais só servem para impedir os reajustamentos necessários. Um argumento semelhante pode ser construído para o caso de mudanças nas leis do comércio internacional. Qualquer mudança exige uma reestruturação do tecido económico, as intervenções do governo adiam as reestruturações necessárias e introduzem irracionalidades.

A solução é sempre a mesma, qualquer que seja a natureza da crise. Os agentes económicos devem sentir a crise para que possam tomar as medidas de reestruturação necessárias. Quando o estado intervém, envia sinais falsos aos agentes económicos levando-os a tomar decisões irracionais.



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O que aqui pretendi foi quebrar o maniqueísmo na análise do défice orçamental. Até podia defender um choque fiscal, que no curto prazo se traduz no agravamento do défice sem "injectar" um tostão em investimento público. Mas aquilo que defendo é o não agravamento das condições de competitividade que o Estado propicia através dos seus instrumentos num momento que já é de recessão.

E nisto estamos em acordo ou em desacordo?


Talvez haja aqui uma confusão com a questão do keynesianismo. O keynesianismo defende intervenções directas do estado na economia para incentivar a actividade económica. Estes incentivos só são possíveis se o estado tirar de uma lado para pôr noutro. Ou sobe os impostos para aumentar os incentivos, ou se endivida. Não há mais alternativas e nenhuma delas é boa.

Outro problema, que pouco tem a ver com keynesianismo, é o aumento do deficit como consequência de compromissos anteriormente assumidos pelo estado. Neste caso não há nenhuma tentativa deliberada de manipular a economia, mas apenas uma necessidade de o estado responder à quebra de receitas. A solução também não pode passar nem pelo endividamento, nem pelo aumento dos impostos. A solução tem que passar pela racionalização e pela adequação da despesa à receita.