Liberdade de Expressão

 

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sábado, agosto 30, 2003

 
O cidadão é roubado e ainda passa por ignorante III

Resposta ao Bloguítica Nacional:

Repare-se, para comecar, no titulo que Joao Miranda deu aos seus posts no Liberdade de Expressao: ?o cidadão é roubado e ainda passa por ignorante?. A pergunta que me assola de imediato e' o que e? que lhe furtaram?


Cerca de 50% dos rendimentos individuais são cobrados pelo estado sob a forma de impostos.

Nestas coisas, nada como ir aos classicos e ?a origem das coisas. Onde e? que a democracia comeca? Na Grecia antiga, nas cidades-estado. Estas nao tinham dez milhoes de habitantes e, portanto, era relativamente facil os cidadaos reunirem-se entre si e decidir o que havia a decidir.


O problema é que a democracia portuguesa não resulta da evolução natural de pequenas democracias locais. A democracia portuguesa é uma criação centralista. Foi criada de cima para baixo para obedecer à visão de democracia das elites. A constituição de 1974 é uma constituição socialista, não é uma constituição liberal. É uma constituição que especifica como a sociedade deve funcionar a priori, não dando espaço à evolução natural, à autoorganização ou à livre associação.

E? claro que ?a medida que as cidades-estado foram vendo a sua populacao aumentar, o modelo comecou a tornar-se insustentavel. Em vez de um anfiteatro era necessario um estadio de futebol para albergar tanto cidadao. Dai a necessidade de delegar poder decisorio em eleitos: mera funcionalidade.


A delegação de poderes só se justifica se as competências atribuidas ao nível de organização mais elevado não puderem ser desempenhadas com vantagem pelos níveis mais baixos. Actualmente, o estado central tem poderes que deviam ser atribuídos aos cidadãos. Sobre a educação, por exemplo.

Isto nao e? a minha interpretacao dos factos. E? uma constatacao historica de como as coisas ocorreram.


Isso não aconteceu em Portugal. O estado português não resultou da associação de democracias locais.

JM parece querer voltar atras no tempo so? que tal nao e? possivel. Estamos no Sec.XXI e o modelo que advoga nao faz o mais pequeno sentido.


Não percebo porquê. Há cerca de 20 anos que quase todos os países devolvem à iniciativa privada competências atribuídas anteriormente ao estado. Isso aconteceu em Portugal, mas também aconteceu nos países nórdicos, no leste europeu, na Inglaterra e nos EUA.

A democracia nao e?, nunca foi, nem nunca sera? perfeita.


Mas há democracias melhores que outras. Uma democracia com uma sociedade civil florescente é melhor que uma democracia com um estado centralista.

E? para isso que existe poder local e autarquias. Sao estas que estao supostamente mais proximas dos cidadaos e que deverao funcionar como elo entre as necessidades dos cidadaos e o poder central.


As autarquias não devem ser elo de coisa nenhuma. Assim até parece que são uma espécie de delegação do poder central. Devem ser entidades políticas autonomas com legitimidade própria.

E? certo que o modelo nao funciona devidamente, ou funciona muito mal. Mas essa e? ja? outra questao. Uma coisa e? falar em substituir e outra totalmente distinta e? falar em aperfeicoar o sistema.


Até agora eu tenho defendido que não é possível aperfeiçoar sem transferir competências para os cidadãos e para níveis de organização mais baixos. Não adianta aperfeiçoar uma burocracia, porque uma burocracia não pode competir com o mercado. O que quer que possa ser feito por uma burocracia pode ser feito melhor por um mecado.

Ninguem escreveu ate? agora que seja possivel um super-cidadao, super-informado. E e? precisamente porque acho que tal nao e? possivel (pela quantidade e qualidade de decisoes a tomar) que defendo a delegacao do poder decisorio por parte dos cidadaos.

Dirao que os politicos, por sua vez, tambem eles nao tem capacidade para decidir sobre tantas materias. E? por isso que na Assembleia da Republica existem comissoes especializadas em diferentes areas. Diferentes deputados focam a sua atencao em diferentes assuntos. E, teoricamente, dessa estrutura resultarao as decisoes adequadas.


Esse é o sonho racionalista. O Contra a Corrente explicaria o problema melhor do que eu. O que se passa é que uma sociedade é demasiado complexa para ser planificada por uma comissão de deputados. Isto está relacionado com os estrangulamentos à circulação de informação entre a sociedade e a comissão de deputados. A comissão de deputados jamais conseguirá antecipar todas as consequências que as suas medidas provocam na sociedade. A comissão tenderá a forcar-se nos aspectos macroscópicos mais visíveis das medidas ignorando as vastas consequências à microscópicas.

Uma sociedade não é um exército que pode ser controlada por meia dúzia de deputados, por mais especializados que estes sejam. A sociedade é uma teia complexa de relações que não pode ser apreendida por uma única mente. Um deputado especializado tem apenas conhecimentos académicos sobre os problemas, mas falta-lhe a experiência sobre a realidade microscópica. A experiência sobre a realidade microscópica está dispersa por toda a sociedade e não está disponível a ninguém de uma só vez. Sendo assim, só um sistema de mercado garante que a informação seja uilizada da forma mais económica possível.

A proposito de liberdade, lembro-me sempre de uma frase de Isaiah Berlin que o Contra a Corrente escolheu como mote para o seu blogue:

?Liberty is liberty, not equality or fairness or justice or human happiness or a quiet conscience?.

Mais liberdade, por si so?, nao resolve problema nenhum.



A liberdade não garante nada por si só. Mas é sempre melhor que a coerção.

Alias, se todos formos livres de fazer o que queremos, tal implicara? a prevalencia do mais forte sobre o mais fraco. E? isso que se quer?


Não vejo porque é que a liberdade implica a prevalência do mais forte sobre o mais fraco. A iniciação da força é uma violação da liberdade. A força deve ser banida de uma sociedade civilizada e para isso bastam a polícia, os tribunais e as forças armadas. A partir do momento em que a força é banida das relações sociais, as pessoas não têm outra alternativa se não cooperar umas com as outras.